Bolsonaro mente e diz a investidores em Dubai que Amazônia 'não pega fogo' e 'ataques' 'não são justos'
- 16/11/2021
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Durante evento para captação de negócios, presidente convidou árabes a conhecerem 'o Brasil de fato'. Dados oficiais mostram que floresta enfrenta recordes de queimadas e desmatamento.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta segunda-feira (15), durante evento com investidores em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que "os ataques que o Brasil sofre em relação à Amazônia não são justos".
Bolsonaro convidou os investidores árabes a conhecerem a floresta. Ele mentiu ao dizer que, "por ser uma floresta úmida, não pega fogo."
"O fato de a floresta não pegar fogo, isso é uma meia verdade. Ela não cria incêndios florestais, porque é uma floresta úmida. A floresta não pega fogo naturalmente – mas se alguém colocar fogo nela, ela incendeia", afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"Por isso que a gente fala que os incêndios na Amazônia, as queimadas, elas são criminosas. Então pega fogo, sim, na floresta – quando você tem o crime ambiental agindo, em 99% das vezes", conclui.
A afirmação é semelhante a uma que o presidente fez em discurso na ONU no ano passado. Uma checagem do Fato ou Fake já havia apontado que ela é falsa.
“Afirmar que a floresta é úmida como um todo era algo verdadeiro há 60 ou 70 anos; hoje, com 20% desmatado, isso não é mais um fato", explicou o ambientalista Antonio Oviedo, assessor do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), ONG presente na Amazônia há 25 anos.
"Ela é úmida em áreas como no interior do Rio Solimões ou no Alto do Rio Negro, onde não tem muitas estradas, mas mesmo lá o fogo já tem entrado, por conta do desmatamento. Quando se fragmenta a floresta em blocos, vem o efeito de borda. Quanto mais bordas tiver, mais seca fica, e facilita a entrada do fogo”, afirmou Oviedo.
A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, reforçou que “o desmatamento, a exploração da madeira e outras atividades humanas mudam a condição da floresta úmida como barreira ao fogo”. O Ipam trabalha desde 1995 pelo desenvolvimento sustentável na região.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também apontam, de forma repetida, os focos de incêndio acima da média na floresta nos últimos meses. Em junho, houve o maior número de focos para o mês em 14 anos; em julho, foram quase 5 mil focos; em agosto, 28 mil.
'Mais de 90% de área preservada'
Bolsonaro também afirmou que a Amazônia tem mais de 90% de área preservada, "exatamente igual" a como era em 1500.
"Os ataques que o Brasil sofre quando se fala em Amazônia não são justos. Lá, mais de 90% daquela área está preservada, está exatamente igual quando foi descoberto no ano de 1500. A Amazônia é fantástica", declarou.
A afirmação também não é verdadeira, conforme explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas – iniciativa do Observatório do Clima e de outras ONGs, universidades e empresas de tecnologia que mapeia anualmente a cobertura e uso do solo do Brasil.
"O bioma Amazônia tem de vegetação nativa aproximadamente 86%. Só que tem pelo menos 4% do bioma que é vegetação secundária. Então 20% da Amazônia já foram desmatadas. Se você considera as áreas que tiveram fogo ou exploração florestal irregular e também outros tipos de impacto – como os efeitos de borda, o garimpo – pelo menos outros 20% da Amazônia estão impactados", afirma Azevedo.
"Então a gente não pode falar de uma Amazônia totalmente conservada. A Amazônia está passando por uma ameaça forte. Inclusive, o que os estudos recentes têm mostrado é que em algumas regiões a Amazônia já não cumpre o papel de ser a principal fonte de absorção de carbono. Em alguns lugares, ela já está sendo uma fonte de emissão líquida – o que é algo terrível para a questão climática", pontua.
Astrini reforça a explicação do colega e acrescenta:
"Floresta intacta, igual a 1500, eu diria que é da metade para menos da floresta. A única coisa que a gente tem igual a 1500 é o governo tentando tomar terra de índio, promovendo, enfim, invasão de áreas, desmatamento, isso aí tá igualzinho a 1500", diz.